sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A vida é um esboço

Estou lendo A insustentável leveza do ser, do Milan Kundera, e página vai, página vem, deparei-me com uma reflexão sobre a vida que eu sempre tive dentro de mim. Rolou uma identificação tão grande que fiquei espantada. Sabe como é quando palavras - que não são suas - sintetizam exatamente aquilo que você pensa? É estranho, porque comprova algo que, se refletido, assusta: a universalidade das sensações. Você lê assim, como quem não quer nada, lê novamente e atesta: opa, mas eu já pensei isso antes! Eu poderia transcrever o que o autor diz, mas preferi explicar isso à minha maneira, já que a problemática é minha grande conhecida.

Sempre percebi que para dar adjetivos a qualquer coisa que seja, é necessário uma referência. Levemos em consideração uma situação hipotética: você me diz que sua amiga, Ana, é legal. Mas a Ana é legal com relação a quem? Comparada com Maria, ela é extremamente gente boa. Por outro lado, comparada com Joana, uma das pessoas mais bacanas da face da Terra, a Ana é um porre. O ato de ser legal ou não depende. E todas as outras coisas dependem também. Depende do que eu levo em consideração. Se você aponta o dedo para alguém e diz que aquela pessoa é alta, é porque ela é alta em comparação ao padrão de alto que temos dentro da nossa sociedade, mas comparada a Robert Wadlow, um dos homens mais altos do mundo, por exemplo, ela é uma nanica. Veem onde eu quero chegar?

A discussão que propunha o livro seguia a mesma linha de raciocínio. Temos a nossa única, linda e adorada vida, mas a parte deprimente é que nunca saberemos se estamos indo no caminho certo ou no errado com relação a ela, simplesmente porque não temos outras vidas com as quais comparar. Quando temos uma decisão muito importante para tomar e optamos por A em detrimento de B, nunca saberemos se B seria o melhor para nós: não temos como voltar atrás e escolher B para saber como seria. Por isso que a vida é um esboço, o esboço de uma obra que nunca será feita. É como se estivéssemos sempre tendo que escolher entre o agora ou o nunca, como se estivéssemos improvisando uma novela que nunca vai ao ar e que, por isso, não nos promete um final feliz. 

 Me identifiquei tanto com essa passagem do livro porque sempre fico me perguntando o que estou fazendo da minha vida. Sempre planejando minuciosamente o meu futuro, as minhas ações. Não quero chegar na velhice insatisfeita com o que quer que seja, remoendo o passado, pensando em outros rumos que minha vida poderia ter tomado. Quero simplesmente estar feliz e completa com a trajetória que eu fiz. Na verdade, não acho que é de todo ruim isso de se ter uma única oportunidade na vida para tudo. O acaso nasce daí, e não posso me esquecer que sou fruto do acaso. Não só porque nasci sem planejamento, mas por tudo que já experimentei da vida. Todos somos um acaso. Somos assim por causa daquele filme que estava passando e decidimos assistir só para passar o tempo, por causa daquele livro que nos deram inesperadamente de presente, por causa daquela pessoa que, por acaso (veja bem), virou nossa amiga. 

Realmente, apesar de deveras inconveniente, uma vida sem acasos seria uma vida chata. A vida sabe o que fazer conosco sem precisarmos saber o que fazer com a vida. Só é preciso torcer para fazer dela o melhor esboço possível e, claro, esperar que o acaso dê sua mãozinha de sempre.


Um comentário:

  1. Mas, em contrapartida podemos nos tornar depressivos se pensarmos muito em como a vida teria sido de tomassemos caminho B ao invés do A. Quer dizer, a vida é um constante rascunho.... incompleto até a morte. E isso tem o seu lado bom: a gente pode refazer. Só que também tem o ruim: não tomei as decisões certas?
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