quarta-feira, 4 de julho de 2012

O produtinho* do século XXI


- Ô mamãe! Mãe, mãe, mãe! Vem lápido!
- O que foi, querido, que houve?
- Vem lápido!
E lá foi a mãe, largando os pratos ensaboados na pia, à procura do seu filhinho.
- O que aconteceu, meu anjo?
- Na hola que eu ia matar o monstlo tudo ficou pleto.
- Foi só porque acabou a energia. Já, já volta. Você pode ir brincar com outra coisa enquanto espera, querido.
- Tá bem...
Ele foi ao seu quarto ligar o computador, já que o videogame não funcionava. Como não conseguiu, correu ao encontro da mãe.
- Ô mamãe, o computador não liga!
- A mamãe não explicou que está faltando energia?
- Mas faltou nos dois?
- Faltou no bairro inteiro, filho.
- Ah...
Sem computador, sem videogame, o que faria ele? Tentou ligar a televisão, mas nada. O celular descarregado não carregava. As luzes dos cômodos não acendiam. O microondas não preparava sua pipoca. O chuveiro elétrico não esquentava sua água. Seu sorvete tinha derretido. Seus carrinhos não tinham graça, pois não andavam sozinhos. Seus soldadinhos não arrancavam a cabeça dos seus monstros. Os seus zumbis não se levantavam sozinhos das suas tumbas para assustar pessoas. E o mais legal também não acontecia: as suas pessoas de plástico não saíam correndo amedrontadas. 
Muito frustrado, foi à mãe novamente.
- Mamãe, assim não tem glaça viver.
- Daqui a pouco a energia volta, meu amor. Tenha paciência.
- Mas eu quelo blincar agola - e começou a chorar descontroladamente.
A mãe, pegando-o nos braços, tentou reconfortá-lo.
- Você tem vários brinquedos, querido!
- São todos uns chatos! Eles não matam, não falam e nem se mechem.
- Mas, amor, essa é a parte legal. Você tem que imaginar o que quer que eles façam.
- São chatos! São chatos!
Em meio a soluções, pegou no sono. A mãe deitou-o e enrolou-o na cama. Saiu dizendo a si mesma:
- Agora, sim, eu percebi. Estamos no século XXI.

* produtinho, no título, é só o diminutivo de produto, não foi empregado de maneira pejorativa, só para esclarecer. Até porque eu também sou quase um produto desse século, né. Nasci em 96.

Um comentário:

  1. Vou dar uma de vovó e falar: no meu tempo não era assim. Tudo bem, hoje em dia não vivo sem tecnologia, acho até que ela ajuda muita gente, mas convenhamos, a infância é bem mais alegre quando se brinca de verdade. No futuro - se eu tiver filhos - vou criá-los como eu fui criada, um pouco de desenho na TV, brincar de boneca - ou carrinho - pular corda com a turma, pega-pega, essas coisas...

    Beijos, Garota de All Star

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